12.8.15

A Sombra e o Mal nos Contos de Fada - Marie Louise von Franz


HISTÓRIA
Mais um livro da Marie Louise von Franz. Seguindo o modelo de palestras transcritas, onde a primeira série trata da questão da Sombra e a segunda série da questão do Mal. Nas próximas linhas farei uma colcha de retalhos, unindo fragmentos em busca de trazer uma síntese dos pontos gerais do livro.

SÍNTESE
Visão Geral

O livro busca explicar a dinâmica do processo da Sombra e do Mal através da análise dos personagens e dos seus papeis nos Contos de Fada

Os Contos de Fada trazem um conflito de opostos que representam duas tendência em choque. Boa parte das histórias acontecem durante esse embate horizontal, até que surge uma Solução Criativa. Alexandre, o grande, que frente ao Nó Górdio, encontra a Solução Criativa de cortá-lo, da mesma forma acontece nos Contos de Fada quando surge um terceiro elemento, nas palavras da Marie Louise von Franz:
O conto de fada diz que tal conflito deve ser suportado até se encontrar a solução criativa. A solução criativa seria algo inesperado que resolve o conflito em outro nível. [...] este é o modelo de solução criativa ligado ao problema da sombra; praticamente é o que tentamos fazer: sofrer o conflito até que surja algo inesperado que coloque tudo em outro nível. Não podemos dizer que o conflito esteja resolvido, mas que ele mudou. Sob o outro aspecto ele nunca poderia ser resolvido. Temos que ser crucificados e não fazer nenhum movimento com o ego contra o Sim e o Não. Isso pode levar semanas ou meses; é uma tensão de opostos que não deve ser decidida pelo ego, seus padrões e conflitos, entregando-se por completo às forças desconhecidas de nossa própria psique.
No que diz respeito ao mal, o livro indica como Solução Criativa justamente não combater o mal através do conflito direto. Tal como Perseu se aproxima de Medusa olhando-a através de um espelho, uma das melhores formas de combater o mal é não olhar em seus olhos.

a) Solução: Espontaneidade

A Solução Criativa surge quando o Inconsciente consegue se expressar de maneira Espontânea. No entanto o processo de Racionalização, fundamentado na natureza controladora do ego, impede que aqueles conteúdos desconhecidos emerjam na superfície da consciência.

A forma como o Ego consegue encontrar a solução criativa é quando ele ouve o conselho do Animal Colaborador. Essa é uma regra que quando desobedecida sempre ocasiona problemas. O Animal colaborador representa o lado Espontâneo do ego, relacionado com sua natureza instintiva.
Isto significa que obedecer ao ser interior mais básico, o ser interior instintivo, é mais importante do que qualquer outra coisa.
b) Solução: Integridade / Simplicidade

Nas palavras da Autora:
Assim o simplório é uma figura universal, não apenas nos contos de fada, mas um tema mitológico geral. Ele simboliza o caráter genuíno básico e a integridade da personalidade. Se as pessoas não tiverem em sua essência mais íntima uma genuinidade ou uma certa integridade, elas estarão perdidas quando encontrarem o problema do mal. São apanhadas. O dom de uma integridade inocente é uma centelha divina no ser humano.  
c) Solução: Lutar VRs Não Lutar (O Sacrifício)

Essa solução embarca três possibilidades: a luta, a não luta e o sacrifício. Inicialmente a autora trata da possibilidade de coexistir dentro de nós dois centros que podem ser complementares na premência de uma emergência, embora sejam paradoxais entre si:
Ao analisar pessoas mais idosas, que fugiram da vida, é que nos damos conta de quanto uma vida não vivida mutila a possibilidade da tomada de consciência, vemos que o fato de não ter vivido e se arriscado, enfrentado conflito sem esperanças, é realmente uma mutilação da possibilidade individuação. Por outro lado, aquele que se atira no conflito, e tenta atravessar a vida, acaba petrificado, num sentido mais profundo, pelo próprio princípio de vida, a Grande Mãe, pois ela se torna o princípio portador da morte. Assim, só aquele que assume o risco é petrificado --- e nesse momento, aquele que permaneceu fora da vida, não se envolvendo física ou espiritualmente no processo da vida, é que é o grande redentor que pode acabar com a bruxa, que consegue enxergar através dela, eliminando sua destrutividade [...].
Em outro ponto do livro ela traz a questão do sacrifício:
A premência da individuação através de um sacrifício pode brecar o impulso instintivo unilateral que se desvia demais do meio termo.
O sacrifício dos filhos abordado no Conto de Fadas é o pagamento de sua passividade anterior. Psicologicamente isto significa o sacrifício do principio consciente e de si próprio, quer dizer, o sacrifício de sua imaturidade e infantilidade. O ego sempre está às voltas com algum tipo de nonsense: desistir do que o ego quer e do que acha certo em função de uma submissão ao que está acontecendo, é que é o grande feito. O ego realmente não sacrifica a si, mas à sua infantilidade.

Sobre o não lutar contra o mal:

Posso lhes contar estórias que dizem que se você encontrar o mal deve lutar contra ele, mas existe igual número que diz que é melhor fugir, sem tentar enfrentá-lo. Algumas dizem para sofrer sem retrucar, outras dizem que se nos confrontarmos com o mal o único jeito é pregar-lhe uma peça; outros dizem, seja honesto mesmo frente ao demônio, não se envolva em mentiras. 
d) Solução: Energia/Vitalidade

Foi abordado no livro como lidar com pessoas que têm dentro de si Conteúdos Inconscientes Emergente. Esses conteúdos podem ser Positivos e Negativos. Os primeiros faz surgir um Santo, o segundo faz surgir um Demônio.

Conteúdo Positivo:
Nas palavras da Autora:
Infelizmente, [... pessoas com conteúdos inconscientes numinosos ...]quase nunca tem vitalidade suficiente, de modo que só podemos ajudar com a nossa própria vitalidade ou a de outrem; geralmente essas pessoas se encontram num estado físico miserável e por isso não conseguem dar forma ao seu conteúdo.
 Ela continua indicando o caso de Jakob Boehme... e se pensarmos, não é difícil lembrar de algum conhecido que carrega em si uma bondade ou algo numinoso, no entanto essa pessoa tem a constituição frágil, frequentemente doente e que se mostra inadaptada à vida. 
Conteúdo Negativo:
Nas palavras da Autora:
Jung disse que isso era muito importante, pois se alguém fornece energia psíquica a outra pessoa deve sempre observar o que o outro faz com ela. Se aconteceu uma recuperação ligeira ou momentânea, mesmo que com recaídas, pode-se continuar dando compreensão ou interesse, dando energia ao caso; enquanto que se houver um efeito contrário, devemos saber que se testá alimentando o demônio de tal pessoa e que ela não recebeu o que lhe foi dado. Jung não condenou minha analisanda, mas era como se seu ânimus negativo estivesse sentado em frente de sua boca, e sempre que lhe era dado um bom bocado ele o abocanhava. Na verdade o demônio foi engordando e ela emagreceu. Em tal caso, se a gente continua tratando da pessoa com caridade cristã, amor e interesse, está agindo destrutivamente[...] As pessoas que agem assim não percebem que estão alimentando o demônio e tornando os pacientes piores, ao invés de melhores.  
e) Solução: Introversão/Solidão

Embora tratado extensivamente pela autora, só vou citar esse trecho:
Quem se introverte dessa maneira,segundo atestam os que procuram a santidade no passado, é inicialmente atacado pelos demônios, porque primeiro essa energia fortalece o que chamaríamos de complexos autônomos do inconsciente. Estes tornam-se mais intensos e o fruto da solidão só será positivo depois de resolvido tais complexos; antes disso significará lutar com vinte mil demônios diferentes.
Existe um outro meio pelo qual a solidão atrai o mal: se você vive sozinho, distante de uma comunidade humana por muito tempo, então a tribo, as outras pessoas, projetam a sombra delas sobre você e não há nada que se possa fazer.