30.8.15

Sob a Sombra de Saturno - James Hollis


HISTÓRIA
James Hollis é analista Junguiano e meu primeiro contato com ele foi através de uma palestra do San Diego Friends of Jung. Ele veio aqui em Brasília em agosto e tive oportunidade de comprar alguns livros dele. Entre eles este que agora é objeto dessa síntese. Deixo como referência o livro He, do Robert A. Jonhson, que vem a tratar de tema semelhante ao desta obra.

SÍNTESE
Como do menino surge o homem? Como vive um homem íntegro? Acredito que essas perguntas são pertinentes quando observamos que o  masculino em nossa sociedade encontra-se não só debilitado como também deformado. Dessa forma acredito que essa síntese seja bem vinda no sentido de repassar os pontos principais e tal como o autor ensina: refletir, transformar-se e comunicar.

A FERIDA
Como ponto de partida vou enumerar as supostas feridas atribuídas aos homens por meio de alguns trechos do livro:
Trecho 01: Sentei-me certa vez ao lado de um homem que havia assumido o negócio de encanador do pai quando a saúde deste começou a ficar abalada. Trabalhou sessenta horas por semana durante quarenta anos, amparou seus pais permitindo que morressem com algum conforto material. Depois, protegeu seus dois filhos do tormento saturnino no qual, nas palavras de Gerard Manley Hopkins, "tudo está ressequido pelo ofício, aviltado pela labuta; e veste a fumaceira do homem e compartilha o cheiro do homem", Os filhos, assim protegidos, permaneceram em casa, dependentes e exigentes. Á menor provocação, ele explodia e gritava com sua pobre mulher, esbravejando e fazendo ameaças. Sua ira era a raiva acumulada por uma vida perdida, entregue a terceiros, entregue a Saturno. E no entanto obedecera a sacrossantos valores culturais: o cuidado com os pais, o sustento da família, a vida melhor para os filhos. Fez tudo o que devia, exceto viver a própria vida, e estava tomado de raiva.
Trecho 2: Esses homens de classe trabalhadora provavelmente permanecerão presos para sempre na roda saturnina da sorte. Espancarão suas mulheres, beberão para mascarar sua dor, desconfiarão uns dos outros, eternamente sozinhos e com medo. Seus irmãos mais privilegiados ou educados terão sucesso segundo os parâmetros sociais. Mas também estes, em suas limusines alugadas, em seus ternos Brooks Brothers, em suas suítes executivas, terão sucumbido à infantilidade do poder, o único jogo que conhecem. Como sua ira é monumental, e como não conseguem expressá-la com sinceridade, para não serem humilhados, quase todos os homens modernos mergulham mais ainda na solidão. Por conseguinte, voltam sua raiva contra si próprios. Usam drogas, bebem demais e trabalham até cair. Precisam alcançar um lugar onde não sintam dor, onde possam diminuir o ritmo da sua atividade.  Muitos deles são viciados em trabalho; este último impede que enfrentem as exigências de sua anima. O trabalho esgota e fatiga-os até que consigam honradamente cair exaustos cama.
Os dois exemplos acima indicam sintomas dos ferimentos, mas não são claros no ferimento em si. Nesse passo vou fazer essa síntese apenas citando uma ferida, que talvez seja a maior delas, que é o Medo. Essa ferida surgir por conta: da ausência de um rito de passagem; da ausência de modelos positivos de comportamento; da desconexão com seus sentimentos; e da violência e humilhação.

1) Da ausência de um rito de passagem e de modelos positivos de comportamento
Sociedades primitivas e tradicionais contam com uma série de ritos e mitos que fazem seus integrantes sentirem-se parte e de se relacionar com o infinito, com algo maior que eles mesmos. A iniciação à vida adulta tem como objetivo retirar o menino do lar, do domínio da mãe, e levar-lo à vivência exterior com a figura do pai. No entanto, tal como o autor indica:
Como é difícil para os homens de hoje atravessarem esse grande abismo sem nenhuma ajuda. Não existem ritos, há muito poucos velhos sábios e raros são os exemplos de homens iniciados amadurecidos. Assim, quase todos somos abandonados às nossas dependências particulares, a nos vangloriarmos por ai numa dependência macista embaraçosa, ou, mais comumente, a sofrer sozinho nossa vergonha e indecisão.
2) Da desconexão com seus sentimentos
Por falta dos ritos de passagem, ou algum paliativo substituto, o homem desenvolve o chamado Complexo Materno que está relacionado a diferenciação incompleta da psique do filho em relação à Mãe. Dessa forma a imagem da Mãe, não exatamente a mãe pessoal, continua sendo a fonte do sustento e da segurança. Através dessa imagem o homem mantem uma atitude regressiva, incapaz de se sustentar com os próprios pés, de tomar decisões, de assumir compromissos. O complexo materno tem como efeito principal distanciar o homem de seus sentimentos. A imagem da Mãe continuará sendo o anteparo através do qual os sentimentos serão vivenciados de maneira inconsciente através de um jogo de projeções. A exemplo de casais onde o homem terceiriza a função sentimento para a sua mulher, que no fundo acaba por ser mais sua mãe do que amante.
Quando os homens sentem a atração-repulsão do complexo materno, facilmente confundem esse poder com a mulher exterior da vida deles. Assim como regridem amiúde nos relacionamentos íntimos, transformando a parceira em mãe, inconscientemente exigindo que ela o "amamente", também temem e oprimem as mulheres, como se, ao controlá-las, conseguissem controlar o medo da própria contracorrente. A triste história de como os homens tratam as mulheres é perfeito testemunho deste fato. O homem oprime aquilo que ele teme. O medo é responsável pela opressão das mulheres e pelo ataque aos homossexuais, este último levado a efeito mais por homens jovens, inseguros da própria realidade psicológica.[...] O machismo é diretamente proporcional ao medo do homem [...].
3) Da violência e humilhação
E por fim um trecho que trata sobre a violência e a humilhação.
A semelhança do Heitor de Troia, tinha mais medo de ter medo do que de ser ferido. [...] O jovem busca nesses campos [nos esportes], embora não o saiba, o esquecido rito de passagem e os pais perdidos. Busca, nas palavras de Jung, a vida simbólica. O significado só vem até nós "quando as pessoas sentem que estão vivendo a vida simbólica, que são atores no drama divino". O jovem busca, ainda que na forma culturalmente atenuada, imagens que atrairão sua libido, canalizando-a para que seja útil ao seu desenvolvimento e sua comunidade. Sua necessidade de individuação é profunda e possui urgência arquetípica. Sem essas imagens e esses ritos, ficam despojado. Passará o tempo deprimido, ou usará drogas para aplacar a dor. À semelhança de Norman, permanecerá indeciso como menino-homem, ou se envolverá em grande compensação machista. Acreditará que sua masculinidade se comprova quando vai para a cama com as mulheres, dirige um carro possante ou ganha muito dinheiro. Claro que, no fundo, sabe a verdade, e morre de medo de ser descoberto; considera-se um impostor na companhia dos homens. Essas mesmas provas que têm lugar nos gramados são vivenciadas por todos os homens nos mais diversos fóruns. Não conheço nenhum homem, se ele for sincero bastante para admiti-lo, que não se tenha sentido muito envergonhado como homem. O mesmo poder salutar que as feridas têm no estímulo ao crescimento também conseguem danificar o senso do eu do homem. Não tenho nenhum cliente do sexo masculino que não tenha se sentido estranho ou envergonhado alguma vez. Quase todos têm vívidas recordações de fracasso, como a da ocasião em que deixaram cair a bola e perderam o jogo, ou não conseguiram fazer parte do time. Para os rapazes, esses gramados e seu análogo, os playgrounds poeirentos, são a arena da prova e da vergonha. [...] Qual homem não se lembra de ter sido chamado de "maricas", ou, pior ainda, quando eu era criança, de "geleia"? Essas feridas instalam-se permanentes na psique do homem e grande parte da sua vida adulta talvez se passe no combate contra os fantasmas encouraçados das humilhações passadas. Mas talvez não mencione essa vergonha, essa humilhação, para não ser ainda mais humilhado. 
ENTÃO
O James Hollis, encarnando a imagem do velho sábio, se torna através desse livro uma ponte através da qual pode conduzir o leitor a um vislumbre das potencialidades de um homem integro.

Por fim deixo a famosa poesia do Fernando Pessoa que tem tudo a ver com esse universo descrito no livro: Poema em Linha Reta.