2.6.15

A Insustentável Leveza do Ser - Milan Kundera


HISTÓRIA
Após escrever um comentário no Facebook sobre o Eterno Retorno, alguns amigos me falaram que esse conceito filosófico também era abordado no livro A Insustentável Leveza do Ser. Passou-se um ano e ao ler a conclusão do livro As Revoluções Burguesas vi que o Paulo Miceli também citava a Insustentável Leveza do Ser, tanto no que ele afirmava sobre a Revolução Francesa quanto no que ele abordava sobre o Eterno Retorno. Com todas essas fortes recomendações resolvi ler o livro.

PERCEPÇÕES
1) Eterno Retorno

A Insustentável Leveza do Ser se passa na Tchecoslováquia no momento em que a União Soviética invade seu país. Embora seja a história de quatro personagens principais o livro faz um retrato da sociedade Tcheca e as inquietações que habitavam dentro das pessoas desse contexto histórico.

Esses autores da grande literatura acabam por tratar de tema Universais ao ser humano, com um olhar que atravessa a alma dos seus personagens e expõe com a frieza de um legista seus pensamentos e sentimentos, com a diferença de que os corpos agora separado de suas almas não perdem seu calor. 

Um livro pode ser alçado a condição de Universal se ele tratar de um tema que tenha como pano de fundo o Eterno Retorno, já que as grandes histórias apresentam a característica intrigante de serem sempre atuais. 

O Eterno Retorno não só permeia as histórias que o Autor narra, mas também encontra entre seus capítulos um espaço para ser refletido acerca da experiência de viver segundo sua concepção ou viver livre de retorno, e suas respectivas consequências.

2) Totalitarismo 

E se aquele mesmo demônio que veio trazer o peso de um destino inexorável a Nietzsche lhe falasse:
Quem pensa que os regimes comunistas da Europa Central são exclusivamente obra de criminosos deixa na sombra uma verdade fundamental: é que os regimes comunistas não foram edificados por criminosos, mas por entusiastas, convencidos de que tinham descoberto a única via possível para o paraíso. 

E defendiam essa via com unhas e dentes, chegando inclusivamente a mandar matar muito boa gente por causa disso. Mais tarde, tomou-se claro como a luz do dia que o paraíso não existia e, portanto, que os entusiastas eram assassinos.

Então todos caíram em cima dos comunistas: eles é que eram responsáveis pela desgraça do país (que se encontrava pobre e arruinado), pela perda da independência nacional (o país tinha caído sob a alçada dos russos), pelos homicídios judiciais!

Os acusados respondiam: não sabíamos! Fomos enganados! Acreditávamos! Somos inocentes do fundo do coração! O debate resumia-se, portanto, a uma questão: os comunistas não saberiam mesmo? Ou estavam só a fingir que não sabiam de nada? 

Após ler esse trecho do livro não pude deixar de fazer a associação obvia: o Lula não saberia mesmo? Como é interessante perceber o Eterno Retorno se espreitando nos meio da linhas descompromissadas de um livro. Mas tanto por ser uma associação obvia quanto por estar tão descompromissado nessas linhas, seria superficial da minha parte apenas fazer um crítica política, parcial e que não tenta achar a substância por trás desse evento.

Tentando cavar mais fundo encontro que não é uma questão de saber se os governantes sabiam, mas sim por que o povo se deixou enganar? Assim como a mariposa o homem vai de encontro a luz da chama e perece no azeite viscoso, essa é sentença que acompanha todos aqueles que lutam por um ideal e são cegos pelo seu brilho.

Qual a origem do totalitarismo? Não seria o anseio do indivíduo por salvar seu corpo e alma de uma vida miserável e sem sentido? Somos nós que sustentamos a existência dos lideres carismáticos, pois projetamos em suas figuras a responsabilidade por nos garantir o paraíso, seja qual for o custo para isso.

E qual o custo de conquistar a sua própria salvação? Vale a vida de quantas criaturas? Vale o genocídio de quantos princípios morais? O risco de todo tipo de regime, ideologia ou instituição que promete ser o caminho para tempos melhores é que ela para se manter tem que se tornar inimiga de tudo aquilo que vai de encontro a essa visão unilateral da verdade.

No entanto a Verdade se expressa de várias formas e não é incomum encontrar algumas de suas expressões contrárias entre si. O que me surpreende é que uma mesma pessoa pode viver segundo dois paradigmas que enxergam o mundo sob óticas totalmente opostas, mas que coexistem entre si e são válidos como expressões da mesma Verdade.

No livro da Insustentável Leveza do Ser a questão dos regimes totalitários são abordados com uma lucidez pouco comum e que vale a pena conhecer a visão do autor para entender as armadilhas que os pequenos totalitários interiores e exteriores nos deixam no caminho.

3) Sófocles e a Culpa

Em resposta a pergunta, será que os comunistas não saberiam mesmo? O autor remete a história que Sófocles conta em seu livro Édipo Rei. A profecia dizia que aquele filho que nasceu mataria o Rei e se casaria com a Rainha ao custo do povo de seu reino que viveria miseravelmente neste período. 

Ao que o Autor questiona se não deveria os comunistas tal como Édipo assumir a culpa por seus danos, ainda que frutos da ignorância? Pois Édipo, ao saber que foi alvo de uma tragédia além de qualquer escolha, foi incapaz de  permanecer indiferente ao seu destino e preferiu furar seus olhos e cego foi para o exílio.

Seria o mito a expressão de um caminho? Seria um padrão moral a se seguir? Ou a expressão da realidade interna vivenciada por quem tem por destino esse drama? 

Talvez esse mito esteja querendo dizer uma verdade para além da ilusão na qual caímos quando nos tornamos cegos em busca da luz de qualquer realidade que nos eleve da nossa condição. Não seria o mesmo drama de Fausto e Mefistoles ou de Acteão e Diana? Qualquer um que deseja se elevar sempre mais, acaba por desejar se rebaixar. Quem deseja despertar os deuses dentro de si acaba também despertando os demônios.

O Autor questiona nos primeiros capítulos sobre o que vem a ser a Vertigem? E nas suas palavras:

É natural que quem quer elevar-se sempre mais, um dia, acabe por ter vertigens. O que são vertigens? Medo de cair? Mas então porque é que temos vertigens num mirante protegido com um parapeito? As vertigens não são o medo de cair. É a voz do vazio por debaixo de nós que nos enfeitiça e atrai, o desejo de cair do qual, logo a seguir, nos protegemos com pavor.